quinta-feira, 28 de abril de 2011

Sete Trovas

A canção é meu pecado
Minha dor e redenção
Meu brinquedo, meu reisado
O meu bocado de pão
A canção é meu estado
Minha sina, distração
Meu folguedo, meu congado
Meu cajado, profissão
Uma sorte, um presente
Estandarte, talismã
Minha comissão de frente
Uma filha temporã
Um rebento, um trovão
O estrondo da maré
Água benta, devoção
Luz pagã, auto-de-fé
Uma fonte, um santo forte
A função, o meu papel
Rosa dos ventos, meu norte
Coração vertendo mel
A canção é meu bailado
Meu sinal e meu bastão
Fandango, sapateado
O final, a expressão
A canção é meu sossego
Meu destino, solidão
Minha paz, meu desapego
Minha dona, meu perdão

Composição:  Rubens Nogueira / Consuelo de Paula / Etel Frota

Yá Yá Massemba


Que noite mais funda calunga
No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro
É o semba do mundo calunga
Batendo samba em meu peito
Kawo Kabiecile Kawo
Okê arô oke
Quem me pariu foi o ventre de um navio
Quem me ouviu foi o vento no vazio
Do ventre escuro de um porão
Vou baixar o seu terreiro
Epa raio, machado, trovão
Epa justiça de guerreiro
Ê semba ê
Samba á
o Batuque das ondas
Nas noites mais longas
Me ensinou a cantar
Ê semba ê
Samba á
Dor é o lugar mais fundo
É o umbigo do mundo
É o fundo do mar
No balanço das ondas
Okê aro
Me ensinou a bater seu tambor
Ê semba ê
Samba á
No escuro porão eu vi o clarão
Do giro do mundo
Que noite mais funda calunga
No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro
É o semba do mundo calunga
Batendo samba em meu peito
Kawo Kabiecile Kawo
Okê arô oke
Quem me pariu foi o ventre de um navio
Quem me ouviu foi o vento no vazio
Do ventre escuro de um porão
Vou baixar o seu terreiro
Epa raio, machado, trovão
Epa justiça de guerreiro
Ê semba ê ê samba á
é o céu que cobriu nas noites de frio
minha solidão
Ê semba ê ê samba á
é oceano sem, fim sem amor, sem irmão
ê kaô quero ser seu tambor
Ê semba ê ê samba á
eu faço a lua brilhar o esplendor e clarão
luar de luanda em meu coração
umbigo da cor
abrigo da dor
a primeira umbigada massemba yáyá
massemba é o samba que dá
Vou aprender a ler
Pra ensinar os meu camaradas!
Vou aprender a ler
Pra ensinar os meu camaradas
!

Composição: Roberto Mendes/ Capinam

Quanto Custa Um Sonho?

Quanto custa um sonho?
Alguma coisa ele sempre custa

muitas vezes muitas coisas ele custa
outras vezes outros sonhos ele custa


Não importam o percalços, os sacrifícios, os espinhos,
os enredos.
Uma vez vivido
o sonho está sempre num ótimo preço!



Elisa Lucinda

O Pássaro Cativo


Armas num galho de árvore o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.
Dá-lhes, então, por esplêndida morada,
A gaiola dourada.
Dá-lhes alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
 Por que é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar?
É que, criança, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:
"Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores,
Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas...
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas? Quero saudar as pompas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde, entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes?
Solta-me covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade...
Quero voar! Voar!..."
Estas coisas o pássaro diria,
Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição:
E a tua mão, tremendo, lhe abriria
A porta da prisão...

Olavo Bilac

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Flor de Ir Embora

Flor de ir embora,
É uma flor que se alimenta
Do que a gente chora.
Rompe a terra, decidida,
Flor do meu desejo
De correr o mundo afora.
Flor de sentimento
Amadurecendo, aos poucos,
Minha partida.
Quando a flor abrir inteira.
Muda a minha vida.
Esperei o tempo certo.
E lá vou eu, e lá vou eu
Flor de ir embora, eu vou
E agora, esse mundo é meu.

Composição: Fátima Guedes/ Intérprete: Maria Bethânia

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Debaixo D ´água

Debaixo dágua
tudo era mais bonito
mais azul
 mais colorido
só faltava respirar
Mas tinha que respirar
Debaixo dágua
se formando como um feto
sereno confortável amado completo
sem chão sem teto sem contato com o ar
Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Debaixo dágua
por encanto
 sem sorriso e sem pranto
sem lamento e sem saber o quanto
esse momento poderia durar
Mas tinha que respirar
Debaixo dágua
ficaria para sempre
ficaria contente
longe de toda gente para sempre
no fundo do mar
Mas tinha que respirar
Debaixo dágua
 protegido ,salvo, fora de perigo
aliviado
 sem perdão
 e sem pecado
sem fome sem frio sem medo sem vontade de voltar
(...)


Pedacinhos de Gente


Michael

Pingo


Outro dia, li um artigo de Danúzia Leão falando sobre animais de estimação. Guardei um questionamento que também é meu agora: "Somos nós quem escolhemos os animais ou eles que nos escolhem?”

Tenho um gato que se chama Michael. Ele é filhote de uma gata que apareceu do nada, instalou-se lá em casa e conquistou todo mundo. Michael não foi por acaso, criei uma estratégia meticulosa para que ele fizesse parte da minha vida. A escolha por ele foi, primeiramente, baseada, na beleza; ele era e é um belíssimo felino.

Após a escolha, ainda recém-nascido, eu o levava todos os dias para o meu quarto com a finalidade de desfazer os laços com a mãe e afeiçoá-lo a mim. Ele sempre ficava incomodado com isso e logo eu o colocava de volta.

Com o tempo, meu pai – num surto - doou todos os gatos; e compadecido ao me ver aos prantos, deixou Michael. Bem, ele foi crescendo e hoje é um gatão. Minha irmã vive dizendo que eu estraguei o gato. Ele só faz o que quer. Quando quer carinho, se aproxima; quando se cansa, sai sem o menor remorso; quando a ração acaba, fica impaciente e “corta relações”.

Há dias em que ele fica irritadíssimo (parece mulher com TPM), e eu não posso nem chegar perto que ele me arranha, me morde e bate nos gatos que ousam aparecer na sua frente. A cada dia que passa, ele fica mais independente, mais dono de si. Às vezes, some e me deixa na maior preocupação e depois aparece com a cara mais limpa. Não sei mais o que fazer, digo que vou ser rígida com ele, mas é só ele miar cheio de dengo que eu mudo de idéia. Já “larguei de mão”...ele, definitivamente, vive muito bem sem mim. E eu fiz tudo para que ele ficasse grudado, dependente...

No entanto, apareceram outros gatos- para o desequilíbrio de Michael (que perdeu terreno) e do meu pai (que já se achava livre deles). Apareceu um montinho de algodão com algumas partes queimadas de sol. Uma “fofuricha”...como é amável. Batizei-a Laura Helen, mas minha irmã disse que é macho...tem uma cara de gata, continuo tratando como fêmea...minha irmã diz que vou “afeminar’ o gato.
Enfim, é uma fofura, gosta de ficar enroscada no meu pé, onde eu vou, vai ...me obedece, come qualquer coisa, não é “boca fina” como Michael. Aquele montinho de algodão queimado de sol me alegra, coisa boba...mas é a verdade, me alegra mais do que muita gente...Acho que aquele montinho é mais gente do que muita gente...Um montinho de algodão tão delicado, miado suave...até quando dorme ou fica no meio dos lugares (no meio do quintal, no meio da cozinha, no meio do quarto) deitadinha (o) é uma elegância só... Gosta de brincar, é leve...E me deixa leve também...No entanto, isso vai acabar logo...vão levar meu montinho...Já chorei, mas sei que não vai adiantar, então, estou exercitando o desapego...

Michael está ficando insuportável, mimado demais...Depois que começou a namorar, então, só fica atrás das gatinhas. E o pior é que elas não querem saber dele, mas ele fica atrás e como sofre meu gatinho, fica dias miando desesperadamente...Já disse a ele que não aprovo esses relacionamentos, mas ele nem me ouve...fico magoada, fiz tanto por ele...será incompetência minha ou afinidade? Concordo com Danúzia, acho que os animais é que escolhem a gente.

Luciana Marinho

À Flor da Pele

 pessoas que são humanas demais
À flor da pele, sem epiderme
Fratura exposta, sensibilidade absurda
Pessoas que se despedaçam, que se dissolvem
Pessoas que constroem o mundo através das sensações

Que não se limitam ao prazer do corpo, mas que se expandem na dimensão da alma
Pessoas que não suportam esta vida enfadonha, convencional
Uma vidinha medíocre, rasa, cheia do-que-não-pode-ser-feito

Vida igual todos os dias, com gosto de nada
Com sabor de tédio, com o som do vazio
Da alma inócua, do corpo frio, da mente racional
Vida onde todo o tempo é preenchido com o que
não interessa...Repleta de gente desnecessária, gente vazia
Vida empacotada, engarrafada, enlatada, condicionada, artificializada

Pessoas que gostam de estar cercada de gente, de afeto
De possibilidades, de verdade
Pessoas que gostam do diálogo, da dialética, que exercitam a alteridade, a amabilidade
Pessoas que aprenderam a compartilhar, a crescer com o outro
Pessoas que sabem viver de verdade, que ganham tempo só com o que realmente interessa...

Luciana Marinho

domingo, 17 de abril de 2011

Saudades...

 Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...

Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro...

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser...

Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!

Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!

Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.

Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...

Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!

Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,

Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...
não sei onde...
para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi...
(...)

A Dona do Raio e do Vento

Eu que Não sei Quase Nada do Mar

 

Garimpeira da beleza
 te achei na beira de você me achar
Me agarra na cintura,
me segura e jura que não vai soltar
E vem me bebendo toda,
me deixando tonta de tanto prazer
Navegando nos meus seios,
 mar partindo ao meio, não vou esquecer.
Eu que não sei quase nada do mar
descobri que não sei nada de mim
Clara
noite rara
 nos levando além da arrebentação
 não tenho medo
 de saber quem somos
na escuridão
(...)
Me agarrei em seus cabelos,
 sua boca quente
 pra não me afogar
Tua língua correnteza
 lambe minhas pernas
como faz o mar
E vem me bebendo toda
 me deixando tonta
 de tanto prazer
Navegando nos meus seios,
 mar partindo ao meio,
não vou esquecer
Eu que não sei quase nada do mar
descobri que não sei nada de mim

Ana Carolina e Jorge Vercilo

Obs: Linda canção na voz de Bethânia

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

- Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

Manuel Bandeira