sábado, 26 de fevereiro de 2011

O Quarto do Mistério

Passei boa parte de minha infância no sobradão do meu avô. Era um sobradão colonial, daqueles que se vêem nas fotos de Ouro Preto e São João dei Rei(...)
Era um fascínio andar por aqueles quartos, salas, corredores, escadas. Mas o que me fascinava era um quarto proibido, trancado o tempo todo, onde ninguém entrava.(...)
Era proibido entrar nele e a chave enorme ficava escondida. Eu compreendo a proibição. Para as tias o quartão era o lugar das coisas feias, da poeira que se acumulava, das teias de aranha. Menino não devia brincar num lugar como aquele. Mas para mim era o quartão do mistério.(...)
Assim somos nós, seres fascinados pelo mistério e pelo proibido. A razão para esse gosto eu não entendo, mas sei que é com ele que a alma humana é feita.(...)
O quartão do mistério era um lugar encantado. Até mesmo aquilo que as tias consideravam horror ajudava a compor a cena: a poeira acumulada sobre os móveis, as teias de aranha, o cheiro de mofo - tudo dizia que ali o tempo havia parado. (...)
Tudo era mágico. Os objetos emergiam de um mundo de sonhos. (...)Acho que meu fascínio pelo quarto do mistério se deveu ao fato de que, por dentro, eu sou como ele. Minha alma é um quarto onde os objetos mais estranhos estão colocados, um ao lado do outro, sem ordem, sem nenhuma intenção de fazer sentido. (...)
No quartão do mistério não há ordem, não há arranjo: cada objeto é um universo completo, não depende dos outros.(...)
Rubem Alves ( Trecho do texto "O Quarto do Mistério".Disponível em:<www.rubemalves.com.br>)

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